No âmbito dos desenvolvimentos em termos de fiscalidade internacional resultantes do Plano Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), em particular das recomendações emitidas no âmbito das ações 8 a 10 - Assure that transfer pricing outcomes are in line with value creation e da ação 13 - Re-examine transfer pricing documentation, foi publicada a Portaria n.º 35/2019, de 28 de janeiro, a qual procede à alteração de determinados anexos que fazem parte do modelo IES/Declaração Anual (“DA”), sendo de destacar as profundas modificações declarativas introduzidas em matéria de preços de transferência.
Efetivamente, tendo em vista aumentar a transparência no modus operandi dos grupos económicos multinacionais, evitando práticas que conduzam à erosão da base tributável e à transferência de lucros entre jurisdições, especialmente dos grupos económicos que não se encontravam obrigados à apresentação da declaração financeira e fiscal por país (Declaração Modelo 55 vulgo Country by Country Report) por não atingirem o limite de €750 milhões de rendimentos anuais consolidados, foi alargado o âmbito da informação que deverá ser reportada no âmbito da IES/DA em matéria de preços de transferência.
Assim, como resultado das alterações introduzidas, a Autoridade Tributária (AT) passará a dispor de informação altamente detalhada, quer acerca da cadeia de valor daqueles grupos económicos, quer acerca das operações vinculadas realizadas no seio destes. De facto, estas novas obrigações declarativas obrigam, entre outra informação, à identificação exaustiva (i) das entidades que participam, direta ou indiretamente, no capital social da entidade declarante, assim como das entidades nas quais a declarante detém, direta ou indiretamente, participações no capital social, (ii) dos montantes das operações vinculadas realizadas pela entidade declarante, por categoria de operação e contraparte [1], (iii) dos métodos de preços de transferência utilizados e de eventuais alterações que tenham ocorrido a este nível, assim como (iv) das garantias e/ou colaterais e (v) de alterações que tenham ocorrido no modelo de negócio da declarante.
Com efeito, é notório que o objetivo primordial destas novas obrigações declarativas passa por dotar a AT de ferramentas que lhe permitam efetuar um risk assessment dos grupos económicos, de modo a serem conduzidas ações inspetivas mais assertivas e direcionadas para as áreas onde existe uma elevada probabilidade de se verificar o incumprimento das regras de preços de transferência.
É, assim, expectável um aumento das inspeções em sede de preços de transferência, pelo que se torna fulcral que os contribuintes assegurem que os termos e condições associados às operações vinculadas realizadas cumprem com o princípio de plena concorrência e se encontram dotadas de substância e racional económicos, especialmente nas áreas que tradicionalmente se encontram associadas a maior risco em sede de preços de transferência, como é o caso das operações associadas a ativos intangíveis e das operações de financiamento intragrupo.
No que concerne especificamente às operações de financiamento intragrupo, importa salientar que apesar de esta já ser normalmente uma área de elevado enfoque das ações inspetivas conduzidas pela AT, na sequência da publicação, em fevereiro de 2020, de Orientações da OCDE direcionadas para esta área, as quais visam clarificar a metodologia e os critérios a adotar na análise económica das mesmas, é igualmente previsível que se verifique um enfoque acrescido da AT neste âmbito, especialmente se atendermos à nova obrigatoriedade de declarar na IES/DA as garantias e colaterais apresentados no âmbito das operações financeiras intragrupo.
Por fim, cumpre salientar que, apesar de estar inicialmente prevista a entrada em vigor destas novas obrigações declarativas para a entrega das declarações IES/DA relativas ao período de tributação de 2019 e posteriores, no seguimento das decisões excecionais de flexibilização do cumprimento das obrigações fiscais e declarativas adotadas pelo Governo durante o ano de 2020 para mitigar o impacto nas empresas decorrentes da pandemia de COVID-19, de acordo com a informação disponível à data, estas novas obrigações declarativas apenas se efetivarão com a entrega da IES/DA relativa ao período de tributação de 2021, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 404.º da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro ( vulgo Orçamento do Estado para 2021).
Assim, como forma de se prepararem adequadamente para estas novas obrigações, as empresas deverão, desde já, assegurar a adoção de políticas de preços de transferência robustas e consistentes, dotadas de racional e substância económicas, assim como procedimentos de controlo interno que simplifiquem o processo de reporte da nova informação exigida e assegurem a fiabilidade da mesma.
De referir que, até à data, não foi anunciada qualquer alteração ao prazo para entrega da IES/DA referente ao período de tributação de 2020, pelo que as empresas que apresentam um período de tributação coincidente com o ano civil deverão cumprir com esta obrigação até ao dia 15 de julho.
Sofia Xavier
Consultora fiscal (Preços de Transferência)
[1] De referir que se encontram excluídos do âmbito do reporte as operações vinculadas de montante igual ou inferior a €100.000 por natureza e entidade, desde que o montante total das operações excluídas não exceda os €500.000.